22 Dezembro - Um Conto de Natal


Título original: Un conte de Noël

De: Arnaud Desplechin

Com: Catherine Deneuve, Jean-Paul Roussillon, Anne Consigny
Género: Comédia, Drama
Classificação: M/12
Origem: França
Ano: 2008
Cores, 150 min
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Junon e Abel tiveram inicialmente dois filhos, Joseph e Elizabeth, mas Joseph acaba por morrer aos sete anos devido a uma doença genética pois nem os seus pais, nem a irmã, nem o filho que conceberam para o tentar salvar, Henri, eram dadores de medula compatíveis. Junon e Abel têm ainda um quarto filho, Ivan, e tentam recuperar e esquecer a morte do mais velho. Mas as relações familiares vão-se deteriorando com o passar dos anos. Enquanto Elisabeth se torna numa dramaturga melancólica, Henri é banido e torna-se na ovelha negra da família e Ivan é o mais calmo de todos. Até ao dia em que descobrem que também Junon está doente e precisa de um transplante. Será que alguém na família será compatível e será que conseguem resolver as suas diferenças?

Eurico de Barros, in DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 21 de Maio de 2009
Uma família francesa de Roubaix junta-se no Natal. Mas a reunião não é apenas para celebrar a quadra. É também para decidir qual dos seus membros vai dar medula à matriarca (Catherine Deneuve), que descobriu que tem um cancro e precisa de um transplante. E apenas duas pessoas são compatíveis com ela: o filho mais negro, a ovelha negra da família, um irresponsável crónico, e o neto adolescente, a passar uma fase “perturbada”. Arnaud Desplechin gere o psicodrama vivido por este núcleo familiar em plena época da fraternidade e do amor por excelência, em várias rotações dramáticas e climas emocionais, multiplicando os registos visuais e entregando-se a uma permanente jiga-joga temporal e estilística que até chegada à banda sonora. O filme parece ter tudo a mais: personagens, cambiantes dramáticos, diálogos e duração, comportando-se como uma criança hiperactiva e caprichosa. Mas se Desplechin quer demonstrar é que a família é uma entidade organizada que tende para o caos, então a demonstração está feita com toda a convicção. E um grande elenco a ajudar.

João Lopes, Cannes 2008
Digamos, para simplificar, que Arnaud Desplechin é um dos maiores cineastas europeus em actividade. Entre os franceses, será mesmo o que, da geração pós-André Techiné, mais e melhor tem sabido afirmar uma via de reinvenção do melodrama clássico. O seu novo filme é a confirmação exuberante disso mesmo: «Um Conto de Natal» reúne uma família de personagens — e alguns actores com diversas conotações "familiares": Catherine Deneuve, Mathieu Amalric, Chiara Mastroianni, etc. — em ambiente de festas natalícias para desenhar um enorme fresco (balzaquiano, apetece dizer) sobre a condição humana, comovente e telúrico.


Luís Miguel Oliveira, in PÚBLICO, 21 de Maio de 2009
Relações de Sangue
Reunião de uma família dispersa, fragmentada, disfuncionalmente "sui generis".
Arnaud Desplechin começou por ser saudado, quando estreou a sua primeira longa-metragem ("La Sentinelle", de 1992), por abrir um caminho "pós-nouvelle vague" para o cinema francês, por encontrar uma maneira de viver com as sombras tutelares do moderno cinema. Talvez fosse um exagero, talvez não. Mas é interessante lembrar isto quando se verifica que a obra de Desplechin, desde o princípio colocada sob o signo de uma discussão sobre a "família do cinema francês", ainda não deixou de se debruçar sobre questões de famílias, filiações e (em "Comment Je Me Suis Disputé", de 1996) de coisas aproximáveis do testemunho geracional.
Vem muito ao caso a propósito de "Um Conto de Natal", filme que tem no seu centro a reunião de uma família dispersa, fragmentada, disfuncionalmente "sui generis". Uma família marcada pela doença (do sangue), a ponto de ter crescido por causa dela: um dos filhos (a personagem de Mathieu Amalric) foi gerado na expectativa de vir a ser um dador de medula compatível com o irmão mais velho, acometido de um cancro do sangue (mas a criança não se revelou compatível, o irmão morreu, e ficou com o estigma de ser um filho "inútil").
Agora - sempre o sangue - é a mãe (Catherine Deneuve) que sofre de uma doença semelhante, e é este o cenário da reunião familiar, propício à erupção de revelações, declarações e manifestações de sentimentos contraditórios. Se Desplechin ainda não tinha feito dois filmes que se parecessem um com o outro, fê-lo agora: "Um Conto de Natal" é um filme, digamos, na mesma linha de "Reis e Rainha", a sua ficção precedente. Um filme de temperaturas variadas, calor e gelo, o calor e o gelo que marcam as relações entre as personagens mas também as inflexões de tom com que Desplechin conduz a sua narrativa, fazendo a gravidade e a irrisão coexistirem (às vezes, tornando impossível a sua perfeita distinção).
Mas é também, tal como "Reis e Rainha" - e voltamos ao princípio -, um filme que se propõe reencontrar uma formulação moderna do "romanesco", um "cinema de argumento" depois da "nouvelle vague" - nesse sentido, e mesmo se "síntese" não é a palavra adequada, "Um Conto de Natal" trabalha como se estivesse a casar a sensibilidade mais fria, mais analítica, de algumas coisas de Resnais com o envolvimento auto-consciente de alguns filmes de Truffaut.
Fricção resolvida em sobrecarga, em acumulação, quase em excesso. "Um Conto de Natal", como "Reis e Rainha", desdobra-se em personagens, em digressões e "portas" narrativas; em peripécias ou em relatos de peripécias; os diálogos, à beira da torrencialidade, estão sempre a implicar com a velocidade do filme, numa perturbação que se estende ao tratamento da "découpage", estranhíssima e sempre "irregular" - nalgumas situações é quase como ver um plano-sequência a ser desmembrado a golpes de "jump cut".
Sobrecarga ainda no décor da casa onde todos se encontram, repleta de adereços, objectos e fotografias, ou de televisões por onde entram filmes antigos (alguns religiosos, como "Os Dez Mandamentos"), e mil e uma remissões para as mais díspares referências - aquela casa é um mapa da "história cultural" daquela família, o seu museu ou, visto que a situação exige que lidem com o fantasma da sua mortalidade, o seu mausoléu.
Muito mais do que o sangue, une-os a todos o passado e o futuro, e é esta a verdadeira "comunhão" que permite a superação, ou a interrupção, dos atritos. Singularmente sedutor e, no fim de contas, bastante justo

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