6 Novembro - Isto é Inglaterra


Título original: This is England

De: Shane Meadows

Com: Thomas Turgoose, Stephen Graham, Jo Hartley, Andrew Shim
Género: Drama
Classificação: M/12
Origem: GB
Ano: 2006
Cores, 101 min
Site

Prémios:
Prémios Bafta: Melhor Filme Britânico; Melhor Filme, Melhor Actor Iniciante (Thomas Turgoose);
Prémio Público Jovem – Festival Gijón;
Prémio Talento Cinema – Festival Londres; Melhor Filme Europeu, Prémio Público Jovem – Festival Mons; Melhor Realizador – Festival Newport...

Inglaterra, 1983. Shaun, 12 anos, é um miúdo problemático, órfão de pai e a viver com a mãe, que é alvo de troça dos colegas. Até que, durante as férias, conhece um grupo de "skinheads" que o acolhe. Com eles vai descobrir as festas, o primeiro amor e as botas Dr Martens. Mas quando um membro do grupo sai da prisão, o tom do grupo muda, e Shaun vai ter de fazer uma escolha difícil, que poderá terminar violentamente a sua infância.


Jorge Mourinha, in PÚBLICO, 16 de Abril de 2009
Pais e Filhos
Já desesperávamos que um dos melhores filmes ingleses dos últimos anos
estreasse em Portugal - e é esta semana que o filme de Shane Meadows sobre
miúdos à procura de um pai cá chega.
Usa-se muito o termo "americana" para descrever os filmes que exploram recantos
ou elementos da cultura (mais ou menos) popular americana. É curioso como ainda
não se encontrou um termo idêntico para Inglaterra, onde, contudo, essa
exploração da cultura popular está tão ou mais enraizada que nos EUA. "Isto é
Inglaterra" assume sem problemas esse lado de "britanniana", num esforço que,
de modo tipicamente inglês, não enjeita a sinceridade da memória mas introduz
um distanciamento crítico, muito pouco sentimental, até um pouco altaneiro.
Porque "Isto é Inglaterra" é um daqueles filmes que não se encaixa numa única
gaveta. É uma história iniciática sobre um adolescente que aprende a ser adulto
durante um Verão específico - mas Shaun, o miúdo de doze anos espantosamente
interpretado pelo estreante Thomas Turgoose, pode ser o único miúdo de doze
anos do filme mas não é o único adolescente da história, nem o único que anda à
procura de um pai.
É um drama social, daqueles que os ingleses sabem fazer como ninguém, mas não
abafa a narrativa nem as personagens em nome do problema que aborda. É um
filme de época, mas não é de época apenas por nostalgia ou facilidade, e usa a sua
época como um modo de falar de coisas universais e intemporais.
Precisamente por isso, acaba por não ser problemático que o filme chegue a
Portugal com dois anos de atraso (rodado em 2006, estreou em Inglaterra há dois
anos e por todo o mundo durante 2007): a sua história de um miúdo à procura de
um pai e, por extensão, de si mesmo continua a ser uma das histórias-chave da
narrativa cinematográfica contemporânea. O que Shane Meadows faz dela e com
ela, contudo, é o que faz do filme uma pequena jóia multi-facetada.
Estamos em Julho de 1983, Shaun acaba de perder o pai na Guerra das Malvinas,
a mãe não tem tempo para lhe dar, os miúdos mais velhos passam o tempo a
meter-se com ele na escola, os únicos que lhe prestam atenção são um grupo de
skinheads locais que o adoptam como "mascote" e dão ao miúdo que se sente
sozinho a sensação de ter encontrado o seu lugar no mundo. A tribo não é política
(há até um negro entre eles): a tribo é social, um modo de abrir espaço para o seu
lugar num mundo cão que não abre espaço para quem não entra na linha. Tudo se
complica para esta meia-dúzia de miúdos porreiros e despreocupados, skinheads
"boa onda" que ouvem soul e ska e seguem os velhos códigos da tribo, quando
Combo, o líder original (uma performance assombrosa que equilibra
vulnerabilidade e agressividade de Stephen Graham), regressa da prisão e começa
a espalhar a ideologia nacionalista e racista que aprendeu lá dentro.
De repente, sem deixar de ser uma história de filhos à procura de pais, de figuras
masculinas que lhes sirvam de modelo, "Isto é Inglaterra" começa a falar de
racismo, de fanatismo, de violência e mostra graficamente a sua origem sem
nunca precisar de carregar a traço grosso, explica a distância que vai da imagem à
verdade, da fachada ao que vai na cabeça. A tribo é um modo de libertar
adrenalina, de deitar cá para fora a energia contida e reprimida de gente que ainda
está à procura da sua identidade e que não tem plena consciência do que está a
fazer nem dos sacos de gatos que está a abrir.
De repente, Meadows, que não convencera ainda com nenhuma das suas quatro
anteriores longas (distribuídas irregularmente por cá), arranca de uma história
simples que podia cair na boa intenção convencional da "problem picture" e do
melodrama social um filme notável. Que ressoa com a história recente inglesa,
reflecte todo o eterno existencialismo adolescente à procura do seu lugar no
mundo e o liga a questões muito maiores, fala por portas travessas do mundo de
hoje falando do mundo de há 25 anos. Sem nunca perder de vista que é a história
de um miúdo de doze anos que perdeu o pai na guerra.
Num momento em que tão pouca coisa de interesse está a estrear em Portugal,
deixar passar ao lado um filme em estado de graça como "Isto é Inglaterra" é
criminoso.


João Lopes, in Diário de Notícias, 19 de Abril de 2009
O cinema britânico e o seu realismo
Chegou esta semana às salas portuguesas Isto É Inglaterra, de Shane Meadows,
desde já um dos filmes maiores do nosso ano cinematográfico (a respectiva
produção é de 2006, mas a estreia no Reino Unido apenas ocorreu em 2008). No
seu centro estão as memórias do ano de 1983, com Margaret Thatcher no poder, o
envolvimento militar nas Malvinas e, nas ruas, uma presença crescente da
extrema-direita. O filme, enraizado em algumas componentes autobiográficas,
centra-se na personagem de Shaun (notável composição de Thomas Turgoose),
um rapaz de 12 anos marcado pela morte do pai, precisamente nos combates das
Malvinas, e que acaba por ser “adoptado” por um grupo de skinheads.
Shane Meadows, também autor do argumento, propõe uma narrativa que
conserva as virtudes essenciais do realismo do cinema britânico. Desde logo, uma
metódica atenção à conjuntura social e política, às suas convulsões e às ideias que
circulam através dos mais pequenos acontecimentos do quotidiano. Depois, uma
obsessiva paixão pela complexidade psicológica das personagens: a par de Shaun,
o líder dos skinheads, Combo (Stephen Graham), com o seu misto de paixão pela
Inglaterra e intolerância pelos “estranhos”, é uma figura de impressionantes
contrastes, com raízes visceralmente trágicas. Enfim, Isto É Inglaterra reflecte uma
dinâmica cultural que está longe de ser meramente cinematográfica, no sentido em
que se apropria de modelos narrativos com raízes noutros domínios, a começar
pela tragédia “shakespeareana”: este é, afinal, um grandioso filme sobre o amor e
a morte, a violência e o ódio.
Mais do que nunca, importa perguntar de onde vem (ou como se sustenta) esta
vitalidade de uma tradição realista que, em boa verdade, se mantém viva e activa
desde o trabalho pioneiro de John Grierson, na década de 30. A primeira resposta
a tal interrogação envolve tanto a postura social do cinema como a sua estética.
Este é um modo de filmar que não se satisfaz com nenhuma forma simplista de
“verismo”. Não basta, de facto, pôr os actores a falar com a linguagem da “época”
ou vesti-los com peças de um guarda-roupa “natural”. O realismo não é uma arte
da “imitação”, mas sim um esforço sistemático, moralmente muito exigente, de
compreensão das componentes de um determinado momento histórico: o trabalho
realista não se fixa no imediatismo do pitoresco, procurando antes situar as suas
personagens num labirinto de dados em que, desde as decisões da cena política
até ao intimismo das práticas sexuais, tudo pode ser revelador e pertinente.
Para além do labor específico dos que fazem os filmes, há uma segunda resposta à
interrogação formulada. É uma resposta que passa, neces-sariamente, pelas
políticas para o audiovisual. E um ponto fundamental dessas políticas é a
permanente articulação entre produção cinema-tográfica e produção televisiva
(articulação, entenda-se, que não tem nada a ver com a injecção de telefilmes e
novelas no espaço do cinema). Isto É Inglaterra foi produzido pelo Film 4, empresa
do Channel 4. Ao longo dos anos, o Film 4 esteve ligado a títulos tão diversos como
A Minha Bela Lavandaria (1985), Quatro Casamentos e um Funeral (1994), e
Trainspotting (1996). O que significa que a televisão é, aqui, uma coisa demasiado
séria para ser entregue à mediocridade populista.

Sem comentários:

Enviar um comentário