25 Setembro - Home, Lar Doce Lar


Título original: Home

De: Ursula Meier

Com: Isabelle Huppert, Olivier Gourmet, Adélaïde Leroux
Género: Drama
Classificação: M/12
Origem: França
Ano: 2008
Cores, 97 min

Uma auto-estrada por acabar, abandonada há dez anos, degrada-se lentamente até ao dia em que, inesperadamente, se retomam os trabalhos de construção. À beira do asfalto, a poucos metros da barreira de segurança existe uma casa onde vive, pacatamente instalada, uma família que resolveu viver afastada da civilização. Assim começa o pesadelo daquelas quatro pessoas, habituadas ao silêncio e privacidade. Um filme sobre a solidariedade familiar num momento de mudança e sobre todas as consequências nefastas da poluição, quer físicas, quer psicológicas, na vida de cada ser humano.



Luís Miguel Oliveira, in PÚBLICO, 30 de Junho de 2009
Na berma do progresso
Uma fábula absurda sobre a inevitabilidade da "vida moderna"
Eis um filme que tem tudo para ser bem recebido em Portugal, país onde o "progresso" tem tendência a ser medido em quilómetros de auto-estrada. Enfim, não será só em Portugal, mas aqui a fúria auto-estradista é recente e ainda não totalmente desvanecida. Se o leitor, ao cavalgar pela A1 ou pela A2 ou por outra A-qualquer, alguma vez deu por si a interrogar-se sobre se aquelas casitas que vai encontrando nas imediações já lá estavam antes ou se são dalgum louco que resolveu ir viver com vista para a auto-estrada, este filme dirige-se à sua curiosidade. Porque, pondo-o simplesmente, é um filme sobre o que existia antes da auto-estrada, e sobre como o que existia antes passou a viver com a auto-estrada.
Explicando melhor a situação - quase minimalista - de "Home - Lar Doce Lar", primeira longa-metragem da suíça Ursula Meier, temos uma família que escolheu ir viver para o campo, numa vivenda isolada de tudo. A mãe é Isabelle Huppert, o pai é Olivier Gourmet (que conhecerão dos filmes dos Dardenne), e têm três filhos, duas raparigas e um rapaz, adolescentes. O sossego é total, a família é feliz e unida. Até ao dia em que é construída uma auto-estrada que passa mesmo à porta daquela vivenda. E pior, chega o dia em que a auto-estrada é inaugurada, e a família ouve, com resignado desconsolo, a euforia de uma rádio local que anuncia que agora sim, a vida vai-se tornar mais fácil para toda a gente.
Numa entrevista, Ursula Meier descreveu o seu filme como um "road movie em reverso". Faz sentido, se entendermos por tal um "movie" que não saia da berma da "road". É aí que estamos desde o momento em que o filme arranca, na berma da auto-estrada, na berma do "progresso", numa espécie de fábula absurda sobre a inevitabilidade da "vida moderna" - estejas onde estiveres, ela vai ter contigo, já não se pode ser eremita em paz. Já não se pode ser eremita, ponto. Mas pode-se insistir, pode-se "resistir". Com ironia e um sentido de humor angustiante, Meier descreve a "resistência" daquela família, que não abdica assim tão facilmente do seu bucólico isolamento e tenta, com estoicismo, continuar a viver como se a auto-estrada fosse uma casualidade, um leve estorvo que deixa de existir se se fingir que não existe. É por aí que o filme acaba por fugir um bocadinho a estas premissas, e como que acompanhando o fingimento das personagens acaba por se centrar na família e nos sinais da loucura (emparedam-se...) em que a sua resistência se vai tornando, como se a auto-estrada se convertesse em metáfora, em elemento perturbador que vem desequilibrar o que dantes parecia unido e harmonioso. Até uma conclusão lógica, e por isso "perfeita", ou "redonda", conforme se prefira salientar a virtude ou o vício de uma estrutura circular.
De qualquer modo, o mais entusiasmante está no modo notável como Meier filma a proximidade entre aquelas personagens e a violência física, visual e sonora da auto-estrada e do incessante fluxo de tráfego. Auto-estradas e automóveis: coisa corriqueira da vida moderna de todos os dias. Nalgumas cenas, nalguns planos, nalguns "gags", numa banda de som carregadíssima (mas sempre estranhamente "realista"), o filme de Meier evoca, sem necessariamente ficar a perder, alguns filmes célebres que usaram o automóvel como maneira de destapar o "corriqueiro" da vida moderna para criar uma luz que ilumina a violência que sob ele se esconde. Os automóveis-besouro do "Crash" de Cronenberg, os engarrafamentos-instalação do "Weekend" de Godard ou do "Playtime" de Tati. O "progresso" medido em quilómetros de auto-estrada, em toda a sua insidiosa inescapabilidade.



Mais sobre o filme:

Sem comentários:

Enviar um comentário