26 Junho 2009 - Gran Torino


Título original: Gran Torino

De: Clint Eastwood
Com: Clint Eastwood, Geraldine Hughes, John Carroll Lynch
Género: Drama, Thriller
Classificação: M/12
Origem: EUA
Ano: 2008
Cores, 116 min

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Caros,

Antes de irmos todos a banhos, temos um dos melhores filmes do ano para ver: Gran Torino de Clint Eastwood.

Clint Eastwood é um realizador querido (amado) do Cineclube de Amarante. Todos os filmes que realizou a partir de 1995 (ano da criação do Cineclube) foram exibidos na sala do Cinema Teixeira de Pascoaes.

Recordo:
1995, The Bridges of Madison County, As Pontes de Madison County.
1997, Absolute Power, Poder Absoluto.
1997, Midnight in the Garden of Good and Evil, Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal.
1999, True Crime, Um Crime Real.
2000, Space Cowboys.
2002, Blood Work, Dívida de Sangue.
2003, Mystic River.
2004, Million Dollar Baby, Sonhos Vencidos.
2006, Flags of Our Fathers, As Bandeiros dos Nossos Pais.
2006, Letters From Iwo Jima, Cartas de Iwo Jima.
2008, Changelling, A Troca.

(lista a conferir no catálogo Clint Eastwood: um Homem com Passado, organizado por Maria João Madeira, Cinemateca Portuguesa, Dez. 2008)

Se me permitem uma breve nota pessoal, ainda vos digo que um dos filmes da minha vida é As Pontes de Madison County, um drama como aqueles que se faziam no tempo em que o “cinema era belo”. Até Fevereiro de 1996, quando num o fim-de-semana o filme foi programado e exibido pelo Cineclube para 203 espectadores, até essa data, dizia eu, nunca tinha visto filmar assim renúncia igual: o sacrifício dos amantes pelo dever. Depois…também não. Ainda vou comprar o DVD…

Todos os filmes realizados por Clint Eastwod são bons. Muito bons até. Mas todos.
Gran Torino. Não tenho (ainda?) a certeza que seja a obra-prima de que se fala. Há uma ou duas personagens um pouco estereotipadas que me deixam a remoer. Na próxima 6ª feira, quando o revir pela 3ª vez, direi coisas.
Uma certeza tenho, no entanto. Como diz LMO, este filme tem o mais belo genérico final do cinema americano das últimas décadas. Falamos no final?

Adiante. Em Julho e Agosto temos a sala fechada. Regressamos no dia 4 de Setembro. Temos tantos filmes para ver! Os 2 filmes que Steven Soderbergh fez sobre Che Guevara. A Mulher sem Cabeça de Lucrecia Martel. O lindíssimo Almoço de 15 de Agosto do italiano Gianni Di Gregório (quem não quiser esperar, sempre pode vê-lo esta semana no Teatro Campo Alegre).
Por exemplo.

Se quiserem sugerir algum em especial para a rentrée…estejam à vontade.

Obrigado, bom filme e boas férias.

Manuel Carvalho




Vasco Câmara, in PÚBLICO, 12 de Março
Espécie ameaçada de extinção nos seus filmes, em "Gran Torino" Clint extingue-se. Sempre a sabotar-se, Clint, incorrigível masoquista. Espalhem ao vento: é uma obra-prima.
Entreguem à brisa de Verão, que já sopra, as cinzas de Joe, Blondie, Walt Coogan, McBurney, Harry Callahan, Josey Wales, Bronco Billy ou William "Bill" Munny, estes e todos os nomes com que Clint Eastwood falou do fundo do seu coração de "dinossáurio", individualista que não reconhece o mundo que o rodeia, corpo de outro tempo, em apuros e sempre desejoso de se colocar em apuros.
Enfim, entreguem à brisa de Verão estes e outros nomes a que Clint Eastwood deu o corpo, ferozmente, fazendo dele ecrã de desadequação, raiva. Espécie sempre ameaçada de extinção, em "Gran Torino" extingue-se.
"Requiem" por si próprio, por aquilo que construiu (sempre a sabotar-se, Clint, incorrigível masoquista), este é um adeus às armas. Não por se anunciar aqui a sua última presença, aos 78 anos, como actor (esse é um daqueles "anúncios" que foi sendo espalhado, como que pelo vento, não se sabe bem vindo de onde, e nem se pode jurar pela irreversibilidade da "decisão"), mas por as coisas se darem a ver aqui a partir de uma estação terminal: é um filme em que um viúvo, um reaccionário, um veterano da guerra da Coreia zangado com a vida e com o bairro, que já não reconhece porque está infestado de "gangs", foi invadido pelos imigrantes, já ali não há "americanos" - eis Walt Kowalski/Clint Eastwood -, prepara a sua saída de cena; é um filme tomado por esse clima de antecâmara que precede a rendição final, e é desta forma que Eastwood se despede do(s) seu(s) Kowalski(s): abre o peito à auto-ironia, melhor forma de alguém se desprender do que lhe pertenceu, assume a sua exterioridade face ao mundo e àquilo em que ele se tornou (é ainda a negociação do desprendimento), e, sem ceder à nostalgia, embala a coisa com suaves cintilações. Como uma canção, como a brisa que sopra neste delapidado bairro onde o fulgor do passado, a imagem dourada que dele foi construída - é que a memória pode transformar o inferno no paraíso, e isso aconteceu aos anos 40 e 50 de Kowalski -, é já só fantasma. Mas essa "presença", chamemos-lhe assim, um cineasta como Clint consegue filmá-la. É esse o grande passo em frente de "Gran Torino", consigo levando todo o património de uma "persona" que neste filme desagua: revelar o fantasma que se intromete na imagem, que nela cintila como brisa, indo atrás dele, seguindo-o e passando, finalmente, para o "lado de lá".
(Parecerá absurda a associação, mas aqui vai, é uma associação entre dois filmes invadidos por fantasmas: se "Milk", de Gus Van Sant, mostra os anos 70 para falar do presente, que é, na verdade, o fantasma que se intromete na imagem, "Gran Torino" passeia a câmara pelo presente em ruínas para revelar o mundo que ali está desaparecido.)
Podemos, para encontrar conforto, dizer que "Gran Torino" é a história de uma aprendizagem, de uma passagem de testemunho. Que Kowalski "educa" o seu reaccionarismo e xenofobia quando se encontra mais em família com os seus vizinhos asiáticos do que com a sua própria família. E que por aqueles vai ser capaz do gesto sacrificial, redentor.
Mas por quem se sacrifica, afinal, Kowalski: pela família de adopção ou por si próprio? Quem ajuda quem? A "verdade" de todos os Kowalskis de Eastwood, o seu masoquismo, se quisermos, está na extrema fidelidade à sua natureza. A de Kowalski, e isto desde a primeira sequência, no funeral da mulher, é a de ser fantasma. Condição que ele vai cumprir. E a que Clint Eastwood, cineasta, vai ser fiel: com a personagem, com o filme, está sempre do "lado de lá", feroz, fielmente. É por isso que o plano final chega-nos como teimosa oferenda do outro mundo - servida com canção a preceito - e como cintilação de um cinema de outro mundo: aquele, dos anos 50, o clássico, que já morria quando Clint Eastwood, jovem actor, chegou a Hollywood. Como se a Kowalski pertencesse sempre a última palavra.
Espalhem ao vento: "Gran Torino" é uma obra-prima.

Luís Miguel Oliveira in PÚBLICO, 13 de Março
Que acrescentar sobre "Gran Torino"? Que Clint se diverte (mas diverte-se muito seriamente) a brincar com a sua "aura", a girar entre o seu lado assustador, quase "fora de controlo" (a cena em que primeiro salva a rapariga asiática), e a proximidade reconfortante com que se encarrega da "educação" do miúdo? Que "Gran Torino" trabalha conscientemente uma "súmula", em simultâneo revisão e reiteração (donde, a sua extraordinária complexidade) do rasto que Clint foi deixando em quarenta anos de filmes como realizador e como actor?
Que o tratamento dos espaços da acção, e da sua articulação com a tensão própria das personagens, na curta escala de uma rua (e pouco mais), é prodigioso? Que tem o mais belo genérico final do cinema americano das últimas décadas? Ou repetir, apenas, "espalhando ao vento": é uma magnífica obra-prima.


O texto seguinte foi publicado no jornal Diário de Notícias a 12 de Março de 2009.
Clint Eastwood, realizador e intérprete de «GRAN TORINO», falou em Paris com João Lopes sobre este filme, em que personifica um veterano da guerra da Coreia, misantropo e rude, que protege dois jovens vizinhos asiáticos de um
`gang` étnico que aterroriza o bairro onde vivem. «Gran Torino» é nesta altura o maior sucesso comercial de toda a carreira de Eastwood.

O encontro com Clint Eastwood aconteceu em Paris, nos cenários acolhedores do Hotel Bristol, perto dos Campos Elíseos. Tendo em conta que muitas entrevistas “internacionais” se tornaram mini-conferências de imprensa, com seis (ou mais)
jornalistas, foi simpático poder conversar durante cerca de meia hora com o autor de Gran Torino, partilhando o diálogo apenas com um colega, Ioannis Zoumboulakis, do jornal grego To Vima. Tudo indica que esta contenção decorre de exigências do próprio Eastwood, até porque, ao contrário do que faz a grande maioria dos realizadores e actores americanos, ele não veio à Europa para dar entrevistas televisivas.
Discreto e contido nos seus 78 anos, Eastwood mostra-se também disponível para a deambulação e a ironia. A sua presença integra, sem crispação, a metódica passagem do tempo que temos vindo a descobrir nos filmes. Veste-se em tons suaves, castanhos e esverdeados, apenas os ténis, desatados e de cores mais contrastadas, contrariando
a neutralidade da pose.
Quando, num paralelismo com Gran Torino, evoco Bronco Billy (1980), crónica desencantada sobre um circo que mima as glórias do velho Oeste, é evidente a ternura que Eastwood sente por esse filme tão esquecido (e, na altura do seu lançamento, tão mal amado). Mas não há nele qualquer ressentimento. Trata-se apenas de "continuar a aprender". E o seu próximo filme, The Human Factor (sobre Nelson Mandela), irá reflectir essa mesma disponibilidade.

Já na despedida, falamos da sua admiração por Manoel de Oliveira que conheceu, em Maio do ano passado, no Festival de Cannes. Uma das pessoas do staff da Warner recorda-se de, também em Cannes, ter ouvido a “lenda” segundo a qual Oliveira não terá 100, mas já 102 ou 103 anos. Com timing perfeito, e em tom muito carinhoso, Eastwood comenta: “Se calhar está a mentir sobre a idade, a ver se lhe servem uma bebida no bar”.


O seu primeiro filme, «Play Misty for Me» («Destino nas Trevas») foi feito em1971. Desde então, qual o papel da sua companhia, Malpaso, no seu trabalhocomo realizador?
A Malpaso deu-me a independência, precisamente quando eu mais precisava dela. Estava empenhado em não fazer filmes sempre do mesmo género: gostava muito dos westerns que fiz, com Sergio Leone e outros, mas queria também realizar e experimentar coisas diferentes.

Mas até mesmo em «Gran Torino» há uma componente de western, quanto mais não seja por causa do tema da terra e da propriedade.
A minha personagem, Walt Kowalski, é um homem que lutou pelo seu país e se reinstalou onde vivia. Agora, depara com uma vizinhança que já não é predominantemente de origem polaca, como ele, mas asiática, da comunidade "hmong". O filme é sobre os seus preconceitos e a maneira como os acontecimentos o impelem a agir. Mas é também sobre o momento em que, por vezes, os mais novos se tentam livrar dos velhos, colocando-os em instituições. Claro que ele é o primeiro a reconhecer que não terá sabido estabelecer uma relação com os filhos. O certo é que descobre naquele obscuro grupo asiático outro respeito pelos mais velhos. Daí que um dia se olhe no espelho e diga: "Tenho mais em comum com esta gente do que com a minha desgraçada família". Podia ser um western. Mas é também muito contemporâneo.

Nesse sentido, aceita que se diga que o filme é testemunho sobre o actual
melting pot americano?
Sim. Mas é também sobre o reconhecimento de que é possível aprender coisas novas em todas as idades: é sempre possível aprendermos a tolerância em relação aos outros. O que, em todo o caso, não impede a minha personagem de estar em conflito com a sua igreja e também com a família.

Podemos encarar o filme também como uma visão sobre a religião?
Kowalski provoca o padre, mas o certo é que as coisas vão mudando e ele acaba por ir à confissão. O interessante é que tudo isso abre novas possibilidades de vida. Na verdade, não tenho de me reconhecer em nada do que é contado, são apenas coisas que gosto de representar. Aliás, por vezes, é muito mais divertido representar pessoas com as quais nada temos em comum.

O elenco de «Gran Torino» é quase todo composto por amadores. Que diferenças há entre trabalhar com actores sem experiência profissional e alguém, por exemplo, como Angelina Jolie?
Bem, é um prazer trabalhar com Angelina Jolie... No caso de «Gran Torino» comecei por pensar em actores profissionais de origem asiática. Até que senti que valia a pena procurar no interior da própria comunidade "hmong". Deparámos com muita gente disponível, ansiosa por entrar no filme. E acabei por encontrar os dois jovens (Bee Vang e Ahney Her) que, de facto, tinham um "não sei quê" de especial.

Apesar do sucesso, antes do mais nos EUA, não se pode dizer que «Gran Torino» seja um típico filme de Hollywood. Como realizador, e como espectador, qual é a sua relação com os filmes de acção, dominados por efeitos especiais?
Os efeitos especiais são magníficos. Os efeitos visuais, em particular, evoluíram imenso e eu próprio os tenho usado, por exemplo em «As Bandeiras dos Nossos Pais». Mas, para mim, é a história que conta. Não me interessa fazer esses filmes de efeitos especiais como uma espécie de ginástica. Gosto das histórias. Cresci a ver filmes com histórias. Por exemplo, no caso de «A Troca» tive de usar alguns efeitos para recriar Los Angeles em 1928, mas era a história que
valia. Cada filme tem que ter algo que seja apelativo, uma história que valha a pena contar.

João Lopes

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