Título original: Two Lovers
De: James Gray
Com: Joaquin Phoenix, Gwyneth Paltrow, Vinessa Shaw, Isabella RosselliniGénero: Drama, Romance
Classificação: M/12
Origem: EUA
Ano: 2009
Cores, 110 min
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Depois de um historial de distúrbio bipolar que culmina numa tentativa de suicídio, Leonard (Joaquin Phoenix) regressa ao apartamento dos pais, em Brooklyn, Nova Iorque, onde espera fazer uma longa pausa para recuperar. Os pais (Isabella Rossellini e Moni Monoshov), nos seus esforços para o apoiar e tentando arranjar uma solução para os seus problemas, acabam por criar uma enorme pressão para que ele invista numa relação afectiva com Sandra (Vinessa Shaw), uma mulher sensível que parece ter tudo para ser a esposa perfeita. Quase em simultâneo, Leonard conhece Michelle (Gwyneth Paltrow), a neurótica e sensual vizinha, também ela com um passado emocional complicado, que exerce um enorme fascínio sobre ele. Agora, no meio de um triângulo amoroso e cheio de pequenos pecados, Leonard terá de se decidir entre a razão, que lhe pede o equilíbrio de um casamento confortável com Sandra, ou o instinto, que o empurra para Michelle, numa relação profunda mas que possivelmente o arrastará para o passado...
"Duplo Amor", de James Gray, poderá ser a última aparição de Phoenix nos cinemas, que anunciou, em 2008, o fim da carreira de actor para se dedicar, em exclusivo, à música.
Luís Miguel Oliveira, in PÚBLICO, 28 de Julho de 2009
Do ridículo ao sublime
É a história de um homem apaixonado, e o seu movimento é semelhante ao da grande literatura da paixão: encontrar nesse ridículo a sua própria força trágica.
James Gray, na entrevista concedida ao Ípsilon, diz que a condição de se estar apaixonado ("the state of being in love") é inevitavelmente "ridícula". Não o diz para remeter o tema da paixão a um assunto de comédia, nem para postular que qualquer abordagem do tema deva insistir neste ponto (de resto, não é ao "sentimento" que ele se refere, é ao "comportamento", ao "estado"). Di-lo, sim, para complicar a sua própria tarefa. "Duplo Amor" é a história de um homem apaixonado (Joaquin Phoenix), e o seu movimento é semelhante ao da grande literatura da paixão, ou ao da grande tradição do melodrama clássico: encontrar nesse ridículo a sua própria força trágica, operar uma passagem do ridículo ao sublime. A cena final, quando Phoenix fica com uma das mulheres (e com um dos mundos) que o dividiram porque simplesmente já não tem opção, e mesmo assim conseguem (ele e Gray) apresentar isso como uma escolha, transbordante de sinceridade e dignidade, é a prova do sucesso da empresa. Em "Duplo Amor" vamos mesmo do ridículo - ou enfim, sejamos francos: do vagamente ridículo - ao absolutamente sublime.
Gray, que na sua curta obra (esta é a quarta longa-metragem) sempre filmou histórias aparentadas ao policial, abre aqui a torneira do melodrama (na entrevista ele explica por que o fez, assim como explica porque é que "Duplo Amor" foi feito logo a seguir a "Nós Controlamos a Noite", sem o habitual intervalo de vários anos que mediou os seus outros filmes). A mudança é mais superficial do que parece. Os seus outros filmes ("Viver e Morrer em Little Odessa", "The Yards" e "Nós Controlamos a Noite") eram melodramas familiares temperados por intrigas policiais, histórias de amor entre filhos, pais, irmãos. E "Duplo Amor", excluindo a intriga policial, preserva muitos dos elementos desses filmes. Não deixa de ter, apesar da história de Phoenix e das duas mulheres (Gwyneth Paltrow e Vinessa Shaw), um fundo de melodrama familiar, e como também é habitual em Gray, directamente ligado às comunidades emigrantes da zona de Nova Iorque (a acção passa-se em Brighton Beach, a família da personagem de Phoenix é de origem russa). E a questão familiar, origens, identidade, expectativas, é importante no filme e no próprio arco da personagem. Gray eliminou as pistolas mas continua a filmar - como os polícias polacos de "Nós Controlamos a Noite" - "ecossistemas" familiares muito específicos. E de certa maneira isto é outra vez, ainda como nesse filme, uma variação sobre a parábola do filho pródigo.
James Gray filma admiravelmente, é um estilista. O tratamento da cor e as alternâncias interiores/exteriores e dia/noite, o peso de cada acção e cada gesto (a indolência inquieta de Joaquin Phoenix é mais uma vez usada às mil maravilhas), a precisão na definição das personagens secundárias (a primeira cena com os pais dele, chega ele encharcado depois da tentativa de suicídio dos primeiros planos), a expressão do estatuto simbólico das raparigas (Paltrow, como uma "projecção", a mulher que se vê da janela; e Shaw, mulher "real", quase uma noiva de conveniência comercial), o desenho dos espaços e o confronto de geografias (Brighton Beach e Manhattan). É um estilista, mas não é um "virtuoso" no sentido comum (e "pobre") do termo - nenhum rasgo gratuito, nenhum gesto grandiloquente, antes uma consistência de tom que tem horror a tudo o que a possa trair e se deposita inteiramente (como na cena final) na justeza emocional que foi capaz de construir. Não é de "classicismo" que se trata - o primeiro a sabê-lo impossível é Gray - mas seria preciso inventar uma expressão melhor do que "neo-classicismo" para caracterizar o seu cinema.
E depois, uma vez que Gray (ainda a entrevista) se declara "obcecado por pormenores", há que reparar em pequenas coisas quase subliminares, e ficar a pensar se foi por acaso ou se foi premeditado. Quase "private jokes", mas que ficam a "bater" depois de as descobrirmos. A personagem de Phoenix chama-se "Leonard", o apelido da família da de Shaw é "Cohen", e estes dois nomes juntos evocam um cantor célebre por cantar sofridas e mortificadas devoções masculinas... Ou, ainda mais fundo: foi por acaso que Gray trouxe Isabella Rossellini para o papel da mãe, Isabella que foi o fruto do amor proibido e condenado de Roberto e Ingrid Bergman?...
Se a nomeação para o Oscar de Richard Jenkins servir para isso, já serviu de muito.
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