12 Fevereiro - Homem no arame


Título original: Man on Wire

De: James Marsh

Com: Philippe Petit
Género: Documentário
Classificação: M/12
Origem: EUA/GB
Ano: 2008
Cores, 90 min
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Em 1974, as Torres Gémeas do World Trade Center ainda se elevavam altivas em Nova Iorque e eram os edifícios mais altos do mundo. "Homem no Arame" conta a história da loucura e ousadia de Philippe Petit, que nesse ano cometeu aquele que ficou conhecido como "o crime artístico do século": subiu ao topo das torres ilegalmente, estendeu um cabo entre as duas e caminhou e dançou sobre o arame, sem qualquer protecção ou segurança, até ser preso pela polícia.

Jorge Leitão Ramos in Expresso, Março de 2009
Foi, dizem, o “crime artístico do século” - e este filme dedica-se, paciente e divertidamente, a documentá-lo. “Homem no Arame” é delicioso, nos detalhes dos problemas técnicos a resolver, no grão de loucura que, evidentemente, foi necessário e nos atalhos da sorte, sem os quais não há projecto humano que valha a pena. James Marsh junta documentos de época – sobretudo fotografias – a algumas reconstituições e à memória dos protagonistas, entrevistados agora sobre um evento a mais de trinta anos de distância. O filme, que ainda há poucos dias ganhou o Óscar para o Melhor Documentário, vê-se de um fôlego.

Jorge Mourinha, Público, 6 de Março de 2009
Um tempo que passou
O que há de interessante em "Homem no Arame" vai para lá do seu tópico. Em Agosto de 1974, o funâmbulo francês Philippe Petit cumpriu um sonho de longa data: esticar um arame entre as duas torres gémeas do World Trade Center de Nova Iorque e andar na corda bamba a 104 andares de distância do chão, no vazio absoluto.
O que o documentarista britânico James Marsh faz em "Homem no Arame" é contar ao pormenor a história desse "faitdivers" perdido no tempo, feito quixotesco que existiu apenas porque Philippe Petit assim o decidiu, ou, mais prosaicamente, apenas porque. Porque não há outra razão para esticar um arame entre dois edifícios daquele tamanho e atravessá-lo senão por eles estarem lá - é a lógica das grandes aventuras, das grandes conquistas, dos grandes desafios.
O que, no entanto, há de genuinamente interessante em "Homem no Arame" vai para lá do seu tópico: começa por estar na sua estrutura híbrida, em que a um proverbial documentário de "cabeças falantes", com entrevistas contemporâneas e (poucas) imagens de época, se anexa uma reconstituição dos factos realizada em estúdio de modo quase expressionista - porque, na verdade, não existem imagens do feito (tudo foi feito em segredo para não alertar as autoridades que proibiriam certamente
a tentativa). Aí residem algumas das questões mais interessantes do filme:
a oposição entre o pragmatismo e o sonho, entre o "porquê?" e o "porque sim", entre a necessidade de encontrar um motivo e a compreensão de que não é preciso motivo nenhum. Mas também a dúvida sobre a veracidade de tudo isto - se algo não ficou registado, existiu realmente? Algo que apenas perdura na memória de poucos tem o mesmo peso de um acontecimento que todos recordam?
Claro que, depois, tudo isto ganha uma outra dimensão por ter acontecido nas torres gémeas - a sombra do 11 de Setembro paira sobre todo o filme, a sensação de "Homem no Arame" estar a resgatar uma "pequena história" que de outro modo teria sido esquecida apenas por acontecer neste sítio. A verdade, ainda assim, é outra, e é isso que é também fascinante no filme de James Marsh (que venceu o Óscar de melhor documentário mas foi produzido para televisão, para a grelha documental da BBC Storyville, e que, por vezes, parece "pequeno demais", um pouco perdido no grande
écrã): percebemos que estas pessoas, estes "heróis" que viveram esta história, pouco têm em comum, já não se falam, perderam o contacto ao longo dos anos. E todos eles têm memórias e verdades diferentes. Marsh não procura sequer conciliar essas memórias e verdades diferentes numa única: limita-se a registar o momento em que foram uma equipa e conseguiram algo que mais ninguém conseguiu, antes ou depois (e que agora já nunca mais se conseguirá), sem se preocupar com os pormenores
que não encaixam na perfeição.
O importante é resgatar ao esquecimento um tempo que passou - e, aí, a aposta está ganha.

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