1 Abril (5ª-feira) - Estrela cintilante


Título original: Bright Star

De: Jane Campion

Com: Paul Schneider, Thomas Sangster, Abbie Cornish, Kerry Fox
Género: Drama
Classificação: M/12
Origem: GB
Ano: 2009
Cores, 120 min
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Em 1818, o jovem poeta inglês John Keats (Ben Whishaw) apaixona-se pela sua vizinha Fanny Brawne (Abbie Cornish) sem imaginar como isso irá mudar a sua vida. Apesar de terem muito pouco em comum, - ele um poeta romântico, ela uma estudante de moda pouco dada à literatura - a grave doença do irmão mais novo de John aproxima-os. Essa amizade, que rapidamente se transforma num amor sem limites, tendo a poesia como linguagem, acaba por tornar-se uma obsessão difícil de aceitar por todos os que os rodeiam. Mas, apesar de todas as contrariedades, só a doença e morte prematura de John Keats terá o poder de os separar.
Um filme biográfico, realizado por Jane Campinon, cujo título original se inspira em Bright Star: Love Letters and Poems of John Keats to Fanny Brawne, uma colectânea de cartas de amor e poemas do próprio escritor dedicados ao amor da sua vida.


Jorge Mourinha in PÚBLICO, 8 de Janeiro de 2010
A defesa do poeta
O novo filme de Jane Campion finta todas as expectativas do filme de época para contar uma arrebatada paixão moderna despoletada pelo poder da palavra
Um filme de sucesso pode fazer muito mal a um realizador que não lhe está habituado - no caso da neo-zelandesa Jane Campion, o problema não é tanto responsabilidade dela mas sim das expectativas que o triunfo improvável de "O Piano" (1993) colocaram nos ombros de uma cineasta que segue uma musa muito pessoal e ainda mais peculiar. De tal modo que os olhares mais mercantilistas olharam para "Retrato de uma Senhora" (1996), "Fumo Sagrado" (1999) e "Atracção Perigosa" (2003) como "suicídio comercial" a longo prazo - esquecendo o modo como cada um desses três filmes se inscrevia com naturalidade no percurso de uma realizadora mais atenta às correntes subterrâneas das suas personagens do que à recepção comercial de filmes que não foram pensados para serem "blockbusters".
Isto tudo para dizer que, como é habitual em Campion, "Estrela Cintilante", primeiro grande (que dizemos? Grandíssimo, extraordinário) filme que estreia em 2010, vai começar por ser visto como uma daquelas biografias históricas muito britânicas de irrepreensível reconstituição de época. Ou não contasse a história verídica (mas livremente romanceada por Campion a partir da pesquisa realizada por Andrew Motion, biógrafo do poeta) do romance entre John Keats, um dos grandes poetas românticos do princípio do século XIX, e Fanny Brawne, a sua jovem e arrebatada vizinha. Romântico é a palavra certa para descrever o amor de Keats e Fanny, noivado que a morte prematura do poeta impediu de consumar, mas se à superfície o filme cumpre muitas das figuras obrigatórias do género, um simples olhar por baixo do tapete descobre mais um daqueles "retratos de senhora" em que a realizadora é perita - uma mulher imperiosa e insegura ao mesmo tempo, à frente do seu tempo, moderna, determinada. A Fanny de Abbie Cornish é uma jovem que pode não ter verdadeiramente experiência de vida, mas entrevê nas palavras que Keats escreve a possibilidade de uma emoção de tal modo transcendente que raia o sagrado.
E é disso que "Estrela Cintilante" fala: do poder quase sagrado da palavra (escrita ou falada) para nos abrir portas, caminhos, janelas que nos mostram quem somos, quem podemos ser, quem queremos ser; da palavra poética como ponte espiritual entre as pessoas; do amor como experiência sensorial de uma transcendência inexplicável mas que, em condições ideias de temperatura e pressão, consegue ser traduzida em palavras. E, para melhor o traduzir para os seus espectadores, Campion filma tudo isto no âmbito de um peculiar triângulo amoroso (o terceiro vértice é Charles Brown, amigo, anfitrião e auto-nomeado protector de Keats com quem Fanny se pega desde o primeiro encontro), como se fosse um idílio pastoral literalmente de câmara que a saúde frágil de Keats confina a salas, salões, quartos. A natureza, em "Estrela Cintilante" é uma Natureza idealizada, que Keats regista na sua memória num dos espaçados planos de exteriores do filme e depois reconstitui na sua poesia ornamentada à qual a voz de Ben Whishaw dá uma vida extraordinária (à atenção da distribuidora: é inexplicável e lamentável que o poema lido por Whishaw ao longo do genérico final não esteja legendado).
Retrato assombroso de um romance moderno antes do seu tempo, "Estrela Cintilante" é um poema em cinema. E o primeiro grande filme de 2010

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